26.7.10

Agosto de Rubem Fonseca

No Brasil, o romance histórico conhece duas grandes fases, marcadas por objetivos distintos. A primeira delas remonta ao Romantismo, quando a busca pela identidade nacional levou seus autores à retomada da produção literária brasileira de até então, bem como à exploração da história das revoltas e à valorização da capacidade poética do índio. Em seu segundo momento, após a dissolução dos grandes eixos temáticos a partir da década de 70, a descrença nos grandes empreendimentos levou a uma literatura menos pretensiosa, onde o olhar abrangente do futuro promissor se transformou em escrutínio privado do cotidiano. A alternativa do romance histórico tem sido, portanto, “reescrever o passado, buscando acrescentar-lhe o que pode haver de novidade, de inovação no âmbito do presente” (CARNEIRO, No país do presente). Frente a essa opção, dois caminhos se destacam: um, de avaliação crítica de momentos definidores da memória brasileira, e outra, que aposta no reencontro do presente com a história literária nacional.

Agosto, de Rubem Fonseca, faz parte do primeiro grupo. Nele, a grande história se apresenta costurada pelo cotidiano daqueles que vivem à sombra dos grandes personagens da história. A narrativa é crua, documentar, sem muitos floreios—o que confere ao enredo um ritmo veloz de leitura, no melhor estilo da narrativa policial do século XIX. A grande diferença, neste romance de 1990, é que seu detetive não é mais o arauto da Ilustração e do conhecimento empírico, cuja vasta capacidade de dedução foi sempre determinante à solução dos enigmas. Em Agosto, o comissário Mattos é (mais) um policial da cidade maravilhosa, entretido entre as celas amontoadas de seu distrito e o inquérito em que tenta desvendar o assassinato de (mais) um empresário metido num mar de lama, e para quem, na sua lógica, “o conhecimento da verdade e a apreensão da realidade só podiam ser alcançados duvidando-se da própria lógica e até mesmo da realidade.” Uma leitura instigante, que enriquece a enciclopédia do leitor, principalmente quanto aos eventos que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas. E é em si, sintomático da situação do romance histórico pós-moderno que repensa e reelabora as formas e conteúdos do passado, refletindo-o no presente.

No comments: