30.11.10

A moreninha de Joaquim Manuel de Macedo

O ato de refletir sobre o romantismo brasileiro e tecer um discurso sobre o movimento que encantou a primeira metade do século XIX, torna grande o risco de se emaranhar o texto nas fortes malhas do lugar comum. No entanto, se excluirmos qualquer tentativa de se começar pelo seu aspecto nacionalista ou pela exaltação da cor local, se não trouxermos à tona seus tipos ou repetirmos a ênfase no caráter folhetinesco, se pularmos datas e nomes, obras e fases, temas e programas, restará sempre o perigo de não se saber por onde começar, incorrendo-se na falta de assunto, e a crítica, se não cair em autocomplacência, fugirá pela tangente que o prefixo ‘meta’ pode garantir-lhe.

Há exagero, naturalmente. Obra nenhuma constituirá falta de assunto quando deixados de lado contexto, periodização e autoria. O leitor será, antes de qualquer outra coisa, seu mais rico referente crítico, seja alimentado pelo saber enciclopédico que o texto lhe descortina, seja pelo mais pobre exemplar que uma análise impressionista venha a elaborar.‘A moreninha’ é, sem dúvida, uma agradável surpresa. Agradável aqui, nos três sentidos que o Caldas Aulete—dicionário—lhe atribui, Que agrada, satisfaz, Que demonstra ou denota cortesia, delicadeza, Que proporciona prazer aos sentidos, sensação de bem-estar. É uma obra simples, alimentada por temas e situações que sempre hão de constituir o núcleo literário de todas as épocas e lugares, e se repetirão ad infinitum enquanto houver necessidade de se contarem histórias. Chamá-lo negativamente romance água-com-açúcar, como se as telenovelas ou os blockbusters hollywoodianos fossem pérolas de roteiros inovadores e criativas subversões de lugares-comuns, tem sido prática corrente em muitas resenhas dedicadas a obra. À semelhante juízo, no entanto, falta a delicadeza em se reconhecer que toda obra é tributária de sua época e do público a que originalmente fora dirigida. Se parece muito melosa, óbvia, datada ou inverossímil, se não agrada aos que hoje procuram conspirações, sexo, sangue, violência, ou puro prazer—pois ainda há aqueles que impõem sua autoridade sobre os livros, atribuindo-lhes os mais horríveis qualitativos quando não correspondem às suas expectativas de leitores—a mim não deixou de ser uma adorável surpresa, vestida com a graça e elegância dos costumes oitocentistas brasileiros.

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