9.2.12

A morte e a morte de Quincas Berro Dágua de Jorge Amado

Livre do maniqueísmo característico de suas primeiras obras, os romances da segunda fase de Jorge Amado oferecem uma visão de mundo que comporta o sim, o não e uma terceira possibilidade inusitada: Gabriela casa sem casar, dona Flor tem dois maridos, Quincas morre e não morre para morrer de novo. No entanto, essa visão carnavalizada do mundo não é só veiculada nas ações das personagens: em A morte e a morte de Quincas Berro Dágua é possível observar como o relato dos sucessivos óbitos de Joaquim Soares da Cunha se realiza por meio de uma multiplicidade de pontos de vista, e como versões antagônicas de sua derradeira morte são postas lado a lado aproximando o mundo médio-burguês do funcionalismo público ao universo da vadiagem dos bairros populares da Bahia.

Desde o primeiro capítulo da novela passam a se confrontar os dois mundos que determinarão a oscilação de pontos de vista da obra. De um lado a versão da família: a morte moral do distinto Joaquim Soares da Cunha que abandonou mulher e filha para viver na vadiagem, seguida dez anos depois pela morte física do vagabundo Quincas, que assinala para a família a possibilidade de restaurar dignamente a memória do avô, pai e marido. O outro lado da moeda revela o mundo da vadiagem, dos malandros, jogadores e prostitutas, para quem a frase final do finado representou “mais que uma despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo” (AMADO, 2008, p.13-4). A essa versão, persiste o esforço da família do morto em negar-lhe qualquer autenticidade. Oportunidade de que se utiliza o narrador para contrapor o mundo preto-no-branco burocrático e a colorida vivência da liberdade, deixando claro qual é vida, qual é morte.

Quincas é uma figura sintomática dentre os protagonistas da segunda fase do autor: são eles homens e mulheres que dizem não, que recusam sua submissão às engrenagens repressoras da sociedade. Quincas rejeita a morte que não escolheu, rebela-se contra a vontade dos familiares que procuram restituir a dignidade do burocrático Joaquim, realiza seu próprio enterro. Sua gente é uma gente marginal, rebelde, que defende e goza o direito à liberdade, finca suas raízes, domina “toda a cena com suas falas que soam verdadeiras e fortes, suas ações cheias de heroísmo, sua luta para sair da condição de vítimas sociais, sua busca de liberdade e justiça, sua irreprimível alegria, seu incontrolável erotismo” (MACHADO, 2006, p.80). Autor e personagens não escondem em qual lado da história preferem crer: escolhem sempre o impossível que não há.

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