14.11.11

Sagarana, de Guimarães Rosa

Após a efervescência que caracterizou a literatura brasileira do decênio de 30, a partir de 1940 foi característico “um certo repúdio do local, reputado apenas como pitoresco e extraliterário; e um novo anseio generalizador, procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência formal e de pesquisa interior.” (Antonio Candido, ‘Literatura e sociedade’). Nesse ínterim, a literatura de Guimarães Rosa conseguiu articular o narrador oral e as matizes populares com as angústias e preocupações formais da cultura letrada: a partir de um esquema narrativo que privilegiava a ligação do homem com a terra e uma visão mística do universo, Rosa construiu uma obra em que leva às últimas consequências à intenção de chocar, causar estranhamento, tirar o leitor do lugar-comum – linguagem oscilando entre o particular e o universal.

Declaradamente arredio à frase feita, o autor de Grande Sertão: veredas procurava com sua prosa dar um sabor próprio ao texto literário, fornecendo ao leitor “uma pequena sensação de surpresa, isto é, de vida” (em carta para Harriet de Onís). Segundo Rosa, “o leitor tem de ser chocado, despertado de sua inércia mental, da preguiça e dos hábitos. Tem de tomar consciência viva do escrito, a todo momento. Tem quase de aprender novas maneiras de sentir e de pensar. Não o disciplinado - mas a força elementar, selvagem. Não a clareza - mas a poesia, a obscuridade do mistério, que é o mundo.” (idem)

Ler a coletânea de contos Sagarana consciente desse aspecto da poética de Guimarães Rosa permitiu uma leitura menos preocupada e até certo ponto prazerosa do autor. Ainda que nenhuma daquelas estórias se iguale ao deleite literário de obras maiores ('Corpo de Baile' e 'GS:V'), elas compõem de qualquer maneira um excelente exercício de percepção (quando não, aqui e acolá, de paciência). Alguns contos são engenhosas transposições de causos que prendem o leitor por toda sua longitude, como ‘Duelo’, ‘A volta do marido pródigo’, ‘Corpo fechado’ e ‘A hora e a vez de Augusto Matraga’. Outros são maravilhosos estudos de atmosfera, a exemplo de ‘Sarapalha’ e ‘São Marcos’. Os restantes, todavia – e aqui vai incluso o famoso ‘Burrinho Pedrês’ que talvez comova alguns, mas que a mim custou findar a travessia –, são composições sem qualquer brilho que somente a complacência (ou mesmo certo ufanismo) insiste em atribuir-lhe valor excepcional ou genialidade, aproveitando-se tão somente dos raios daquela estrela maior em que foi transformado pela crítica o relato do jagunço Riobaldo.

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