29.10.11

O sol se põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho

Para o japonês Junichiro Tanizaki, só as mentiras interessam a um escritor. 'O sol se põe em São Paulo', do brasileiro Bernardo Carvalho, leva o aforismo do autor de 'As Irmãs Makioka' ao status de cosmovisão literária, compondo cada fibra de um tecido narrativo bastante intrincado, mas fascinante. Trata-se de “uma história de homens e mulheres tentando se fazer passar por outros para cumprir a promessa do que são: um ator a quem proíbem atuar; um homem que precisa deixar de ser quem é para lutar pelo país que o rejeita; outro que já não pode viver com o próprio nome, pois morreu numa guerra de que não participou; uma mulher que só ama quando não podem amá-la; um escritor que só pode ser enquanto não for.” (p.163) À medida que essas existências são devassadas, o leitor é enredado em um jogo de claro-escuro, do qual a síntese ‘sombra’ sai inevitavelmente vencedora.

O romance é narrado por um younsei (quarta geração descendente de japoneses) que numa noite é abordado pela dona de um restaurante japonês no bairro da Liberdade que lhe pede que escreva sua história. O aparente triângulo amoroso testemunhado por Setsuko, nascida em Osaka, apresenta Michiyo, moça de boa família, Jokichi, filho único de um industrial, e Masukichi, ator do kyogen, modalidade cômica do teatro japonês. A história, narrada predominantemente em forma de sumário, se desdobra e se complica quando mentira e embuste passam a determinar o verdadeiro tom do romance, sugerindo como na fala de Setsuko que “enquanto os escritores escrevem, as histórias acontecem em outro lugar”. Uma trama gera a outra, entrelaçando tempo e espaço em um ritmo vertiginoso que denuncia a urgência de quem precisa contar para sobreviver.

A auto-referencialidade é o grande forte do romance. Essencialmente pós-moderna em sua disposição dialógica, a atitude contemporânea de mergulhar no passado revela a necessidade de se questionar tanto a relação entre a história e a realidade quanto a relação entre a realidade e a linguagem*. Ao privilegiar a reflexão sobre literatura, verdade e história, Bernardo Carvalho construiu uma narrativa contraditória e auto-reflexiva, que questiona se jamais poderemos conhecer o passado a não ser por meio de seus restos textualizados. Situado na fronteira entre o acontecimento passado e a práxis presente, 'O sol se põe em São Paulo' se indaga até que ponto a linguagem pode resgatar aquilo que foi real, mas está perdido. Ele reivindica que tanto a história quanto a ficção são discursos e é a partir dessa identidade que as duas obtêm sua principal pretensão à verdade.

*reflexões sobre a arte pós-moderna extraídas da ‘Póetica do Pós-modernismo’, de Linda Hutcheon.

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