2.7.10

GOGOL, Nicolai. Almas mortas

- Muitos erros foram cometidos no mundo, erros que hoje, parece, nem uma criança cometeria. Que caminhos tortuosos, obtusos, estreitos, impraticáveis, caminhos que a desviavam para longe, escolheu a humanidade, na ânsia de atingir a verdade eterna, quando diante dela se descortinava uma estrada ampla e reta como o caminho que leva ao santuário magnífico designado para a morada do rei. Era um caminho mais largo e suntuoso que todos os outros caminhos, inundado de sol e iluminado por fogos a noite inteira – mas os homens passavam ao largo dele, mergulhados em trevas espessas. E quantas vezes, já levados para ele pela providência divina, ainda eles conseguiram desviar-se e perder-se, conseguiram, em plena luz do dia, afundar-se novamente em brenhas intransponíveis, souberam novamente cegar de fumaça os próprios olhos, e, arrastando-se no encalço de fogos-fátuos, conseguiram, enfim, chegar até a beira do abismo, para depois, cheios de horror, perguntarem uns aos outros: onde está a saída, onde está o caminho?
- Agora, a geração presente vê tudo com clareza, espanta-se com os erros e zomba da insensatez dos seus antepassados, sem ver que esta crônica foi escrita com o fogo celeste, que cada uma das suas letras branda, que de todos os lados um dedo acusador aponta para ela, para ela mesma, a geração presente. Mas a geração presente ri, e, rindo, orgulhosa e auto-suficiente, dá início a uma nova série de erros e mal-entendidos, dos quais mais tarde zombarão seus descendentes.

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