19.5.11

HUXLEY, Aldous. A ilha

Notas sobre o que é que e sobre o que seria razoável fazer a respeito disso
Parte 1
Ninguém precisa ir à parte alguma. Como seria bom que todos soubessem disso! / Se apenas soubesse quem realmente sou, deixaria de proceder como penso que sou. E se parasse de me comportar como penso ser, saberia quem sou. / Se ao menos o Maniqueísta que penso ser permitisse ser o que de fato sou, o ‘sim’ e o ‘não’ viveriam reconciliados na abençoada aceitação da existência de Ser Único. / Em religião, todas as palavras são obscenas. Qualquer pessoa que se mostre eloqüente acerca de Buda, Deus ou Cristo deveria ter a boca lavada com sabão carbólico. / A aspiração de todas as religiões de eternizar somente o ‘sim’ em cada par de opostos é irrealizável porque contraria a natureza das coisas. O Maniqueísta isolado que penso ser, se autocondena a uma repetição infindável de frustrações e está em conflito permanente com os outros Maniqueístas igualmente frustrados em suas aspirações. / Conflitos e frustrações – tema de toda história e de quase toda biografia. ‘Eu lhes mostro o sofrimento’, disse Buda, realisticamente. Porém ele também mostrou o fim do sofrimento – o autoconhecimento, a aceitação total e a abençoada experiência de Ser Único.
Notas sobre o que é que e sobre o que seria razoável fazer a respeito disso
Parte 2
O perfeito autoconhecimento gera o Bom Ser, e os Bons Seres realizam uma melhor espécie de Bem. Mas as coisas bem-feitas não produzem automaticamente o Bom-Ser. Podemos ser virtuosos sem que saibamos quem realmente somos. Os indivíduos apenas bons não são necessariamente Bons Seres; são simples pilares da sociedade. / A maioria desses pilares representa o papel de sansão. Sustentam a sociedade, porém cedo ou tarde o derrubam. Ainda não existiu uma só sociedade que, sendo criado por Bons Seres, fosse constantemente atualizada.
Isso não quer dizer que tal sociedade jamais existirá e que nós sejamos idiotas por estarmos tentando pô-la em prática aqui em Pala.
Notas sobre o que é que e sobre o que seria razoável fazer a respeito disso
Parte 3
O iogue e o estóico – dois egos que pretendem atingir seus objetivos fazendo-se passar por alguém que na realidade não são. Mas não é fingindo ser alguém, mesmo um alguém sábio e superlativamente bom, que deixamos de ser meros Maniqueístas cegos e isolados para nos transformarmos em Bons Seres. O verdadeiro conhecimento de quem realmente somos é que nos faz bons, para sabermos quem realmente somos devemos conhecer nos mínimos detalhes aquilo que pensamos ser. Desse modo, descobrimos o que essa falsa idéia nos obriga a sentir e fazer. Um simples momento de conhecimento claro e completo do que pensamos ser, mas que na realidade não somos, põe um fim momentâneo ao enigma Maniqueísta. / Se renovarmos esses momentos de autoconhecimento do que não-somos, fazendo com que se tornam contínuos, poderemos vir a descobrir subitamente aquilo que realmente somos. (...) / A concentração em pensamentos abstratos e exercícios espirituais equivalem a exclusões sistemáticas no domínio do pensamento. / O Ascetismo e o Hedonismo são exclusões sistemáticas no domínio das sensações, dos sentimentos e das ações. / Mas o Bom Ser conhece sua verdadeira posição em relação a todas as experiências e, desse modo, está em permanente estado de alerta. Está alerta ao que se possa crer, não crer, às coisas agradáveis e às desagradáveis, e essa vigilância não deve cessar, mesmo quando está imerso nos trabalhos e nos sofrimentos. / Essa é a única ioga verdadeira; o único exercício espiritual digno de ser praticado. Quanto mais um homem conhece os propósitos dos indivíduos, mais sabe a respeito de Deus. Adaptando a linguagem de Spinoza, podemos dizer: Quanto mais um homem sabe o seu modo de sentir em relação a cada tipo de experiência, maiores serão as chances de que um dia venha a descobrir Quem Realmente É. / São João estava certo. Num universo abençoadamente mudo, a Palavra se limitava a estar com Deus. Era o próprio Deus. Alguma coisa para ser acreditada. Um símbolo projetado, um nome para ser adorado. Deus = Deus. / A fé é uma coisa muito diferente da crença. / A crença resulta do fato de se levar a sério (sem a menos análise) as palavras proferidas... Palavras de Paulo, de Maomé, de Marx e de Hitler: palavras que o povo levou a sério... Que resultou disso? OP resultado foi a ambivalência sem sentido da historio – o sadismo apresentado como dever, a devoção contrabalanceada pela paranóia, as despersonalizadas irmãs da caridade cuidando das vítimas dos inquisidores e dos cruzados da Igreja à qual pertencem. A fé, ao contrário da crença, nunca pode ser levada muito a sério. Ela é a confiança empiricamente justificada na nossa capacidade de saber quem realmente somos. É ela que nos permite esquecer o crente Maniqueísta que existe no âmago do Bom Ser.
Notas sobre o que é quê e sobre o que seria razoável fazer a respeito disso
Parte 5
O ‘eu’ que penso ser e o ‘eu’ que realmente sou! Em outros termos, o sofrimento e o fim do sofrimento. Cerca de um terço do sofrimento que devo suportar é inteiramente inevitável por ser inerente à própria condição humana. Representa o preço que todos temos que pagar pelo fato de sermos dotados de sensibilidade; embora sedentos por libertação, nos sujeitamos às leis naturais que nos obrigam a continuar caminhando (sem poder retroceder) através de um mundo inteiramente indiferente ao nosso bem-estar. Caminhando em direção à decrepitude e à certeza da morte. Os outros dois terços são ‘confeccionados em casa’ e o universo os considera inteiramente supérfluos.

No comments: