19.5.11

LISPECTOR, Clarice. A bela e a fera

Tudo servia-lhe de partida. Um pássaro que voava, lhe lembrava terras desconhecidas, fazia respirar seu velho sonho de fuga. De pensamento a pensamento, inconscientemente dirigido para o mesmo fim, chegava à noção de sua covardia, revelada não só neste constante desejo de fugir, de não se unir às coisas para não lutar por elas, como na incapacidade de realizá-lo, já que o concebia, espedaçando sem piedade o humilhante bom senso que lhe prendia o vôo. Esse dueto consigo mesmo era o reflexo de sua essência, descobria, e por isso continuaria por toda a sua vida... Daí fácil tornava-se esboçar o futuro, longo, arquejante, trôpego, até o fim implacável – a morte. Só isso e atingira aquilo a que sua tendência o guiava: o sofrimento.

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