3.1.14

PARISOT, Paula. Gonzos e parafusos

Escrever é uma camisa de força. Quero dizer, várias. A primeira camisa de força é a da lógica, com as suas formas de pensamento em geral, dedução, indução, ilação, associação, hipótese, inferência, isso inclui uma série de raciocínios que encadeiam os acontecimentos, as coisas, os elementos da natureza, o ser humano, o acaso, e deve haver coerência e fundamento; depois vem a camisa de força da sintaxe, essa parte da gramática que ensina a unir as palavras para criar orações, períodos, parágrafos, em síntese, o texto em si, regrais estruturais referentes à regência, flexão, tropos, et cetera, ou seja, uma compilação danada; depois tem a camisa de força do vocabulário, não vou envolver Flaubert nisso, mas existe palavra certa, o que não existe é sinônimo. Por exemplo: a palavra “estulto”. Qual é o sinônimo? Insensato? Parvo? Néscio? Imbecil? Idiota? Tolo? Zote? Lorpa? Não. Como disse aquele famoso filósofo egípcio de Alexandria, cada palavra tem a sua própria transcendência, cada coisa é uma coisa e cada caso é um caso. E há ainda a camisa de força do ritmo, não me refiro ao fenômeno musical, nem físico, nem fisiológico, mas ao fenômeno rítmico literário, a cesura, a métrica, a cadência, que não existem apenas na poesia, mas também na prosa, que, conquanto não tenha hexâmetros, decâmetros ou hemistíquios, possui a sua própria cadência. E, ao contrário do que se pensa, o texto ensaístico tem um ritmo mais complexo do que o ficcional. Aliás, eu não lia mais ficção. Parei com isso na adolescência. Li tanto que quase tive uma congestão. E tem mais: hoje em dia existe macete tecnológico para corrigir fotografia, filme, música, tudo, menos textos literários desafinados. 

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