11.4.14

Virginia Woolf, Alexandra Lemasson

Toda biografia, independente da obstinação com que seu biógrafo a considere fidedigna, é uma promessa de verdade “em tensão constante entre a vontade de reproduzir um vivido real passado, segundo as regras da mimesis, e o polo imaginativo do biógrafo, que deve refazer um universo perdido segundo sua intuição e talento criador” (DOSSE, François. O Desafio Biográfico, 2009, p.55). Com isso, a dimensão ficcional é responsável por conduzir o gênero a seu paroxismo, uma vez que a postura do biógrafo não consegue penetrar a esfera do incognoscível e necessita reproduzir a atitude do romancista. Nesse movimento, ao procurar trazer tudo à luz, o biógrafo se encontra frente a uma aporia que o condena ao fracasso e cuja consequência imediata é a criação de uma imagem do biografado.

O trabalho da atriz e jornalista francesa Alexandra Lemasson sobre Virginia Woolf não foge à essa regra. Apesar do louvável esforço no sentido de diluir o mito criado a partir da biografia de Quentin Bell na qual o destaque à "loucura" e ao "recato" influencia até hoje a maneira como os ingleses vêem a autora, mesmo escrevendo contra os preconceitos de romancista difícil e depressiva, cuja companhia literária não é nada simpática, ou ainda que busque louvar a extraordinária força da escritora para superar suas crises a cada término de um novo romance, prevalece na biografia de Alexandra Lemasson o tom de fatalismo, de vida vivida à beira de um precipício, daquela "tendência quase invencível para atribuir aos grandes escritores uma quota pesada e ostensiva de sofrimento e de drama, pois a vida normal parece incompatível com o gênio", para lembrar Antonio Candido.

Não seja por isso, no entanto, que se vá dar o livro às traças. Quebrando a linearidade muitas vezes praticada no gênero, Alexandra não compartimentaliza a vida da escritora e apresenta o produto de sua pesquisa com liberdade, misturando quando convém dados biográficos e literários. A sensação é a mesma de um mergulho (a plunge! — tantas vezes presente nos romances de Woolf), no qual transborda o fascínio por "essa mulher tão perfeitamente feliz num dia e tão desesperadamente deprimida no outro" (p.34), desejosa de ser uma grande escritora mas atormentada por uma condição nervosa. Ainda que se furte à análise demorada dos romances (verdadeiramente imprópria a uma biografia que pretende ser uma introdução), Lemasson oferece valiosas apresentações para cada obra de Virginia, apresentando-as dentro de seus contextos literário e afetivo. 

Para os leitores de Woolf, o livro trabalha alguns dos lugares-comuns acerca da escritora, refutando-lhes a origem ou aparando-lhes as arestas na tentativa de apresentar suas principais preocupações literárias, influências e obsessões, como sua relação com Leonard, a ubiquidade da morte, o desejo de mostrar que toda categorização é ilusória, e a questão da identidade, aquela necessidade de reafirmar que "cada indivíduo é composto por uma miríade de faces" (p.111-112) presente em toda sua obra. Para os noviços, o livro representa uma chance de conhecer a autora para além dos rótulos; uma forma de enxergá-la pelo prisma de sua inventividade e do caráter revolucionário de sua escrita, menos assombrosa do que fazem crer as más línguas, e mais impressionante quanto mais se conhece a força e a determinação dessa escritora que via na literatura a única forma possível de felicidade.

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