18.5.14

o nosso reino, de valter hugo mãe

 'o nosso reino' (2004) é o primeiro romance do escritor angolano Valter Hugo Mãe e compõe, junto a 'o remorso de baltazar serapião', 'o apocalipse dos trabalhadores' e 'a máquina de fazer espanhóis', uma tetralogia que explora os quatro momentos na vida do homem, respectivamente, a infância, a adolescência, a adultez e a velhice. Dessa forma, a narrativa abrange os oito anos de uma criança que em tudo vê manifestações de deus e que, após um desvairado episódio no qual escapa da morte, acredita-se nascido para santo. Através de pequenos milagres e mirabolantes explicações, o pequeno Benjamin atravessa inúmeras provações de sua fé, que culminam na dissolução de seu núcleo familiar e no encontro com a realidade, à medida que se percebe incapaz de explicar tudo à luz de seus beatíficos desvarios. Um romance que exige bastante atenção do leitor devido à bem sucedida fusão entre o-que-acontece e o-que-se-percebe, narrado em retrospecto pelo próprio Benjamin. Difuso, doce e cruel, lírico e criativo, 'o nosso reino' traz uma linguagem nova, desassossegada, que ao mesmo tempo incomoda e provoca o leitor para fora de sua zona de conforto, e cujo primeiro capítulo é dos mais assombrosamente encantadores do que se tem produzido nos últimos anos.

Chama a atenção, ainda, enquanto projeto literário a opção pelo uso de minúsculas, incluída nessa decisão a grafia do nome do autor, posteriormente abandonada por Mãe ao final da tetralogia por receio do recurso obliterar o valor literário de seus romances, reduzidos pelo senso comum a um aspecto formal que salta à vista. A justificativa é das mais belas, e pode ser auferida em entrevista ao programa brasileiro Roda Viva de 06 de janeiro de 2014. Nele, Valter Hugo Mãe diz haver optado pelo uso de minúsculas porque aludem a uma espécie de igualdade, uma forma de democracia das palavras em que elas surgem mesmamente grafadas para terem a mesma importância, deixando dessa forma para o leitor a função de eleger o que é verdadeiramente importante no livro. Dono de uma serenidade na voz e nos gestos verdadeiramente encantadora, de uma maneira de ver o mundo cheia de respeito ao próximo e ternura pelas diferenças, Mãe não poderia ter adotado melhor sobrenome ou romance de estreia: 'O nosso reino' representa o nascimento de uma literatura do bem que se equilibra comovedora e contundente entre o profundamente terno e o visceralmente realista
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