23.6.14

Como um romance, de Daniel Pennac

Verdade seja dita: a grande maioria dos professores não tem a menor ideia de como enfrentar uma legião de alunos que lhe responde peremptoriamente: não, não gostamos de ler. Alguns podem tentar convencê-los do papel da leitura na ampliação do conhecimento de mundo deles; outros talvez apelem para a necessidade de ler romances para ser aprovado em exames de admissão; um mais ingênuo talvez arrisque dizer que Não gostam porque não conhecem, e aquela parcela pragmática pode ser que resuma, Escreve melhor quem lê mais. Há até mesmo o mais radical de todos, aquele que dirá, Pois lerão, de qualquer maneira, ou ainda, o que é bem pior, De qualquer maneira lerão. E caso haja lido Antonio Candido, é possível que um deles dê início a uma inspirada preleção sobre a importância da narrativa no desenvolvimento do homem e do papel humanizador da literatura na vida em sociedade. 

De uma maneira ou de outra, falta-nos aos professores de língua e literatura, uma pedagogia da leitura, um passeio às origens de nosso desejo por histórias e ao derradeiro momento em que perdemos nossos filhos ao encanto da televisão, da internet, e hoje, dos smartphones e tablets. Uma sensibilização que nos faça perceber que o encanto pela leitura, o fascínio pela narrativa, a necessidade de fazer de conta desaparecem na criança a partir do momento em que começamos a exigir-lhes a glosa, o comentário, o sentido do texto, e compreender com essa pedagogia que "os livros não foram escritos para que (...) os jovens os comentem, mas para que, se o coração lhes mandar, eles o leiam". Lembrar que aquele temerário Que-quis-dizer-o-autor, além de não ser o fim da obra em si (afinal, o fim da obra é a própria obra e sua comunicabilidade com o leitor), amiúde rouba à criança e ao adolescente todo o prazer de uma intimidade recém-descoberta entre autor e leitor, precocemente interrompida por um incessante balbucio de datas, nomes e temas impostos pelo programa letivo.

Esse é o ponto de partida do professor e romancista Daniel Pennac ao escrever "Como um romance": que "o verbo ler não suporta imperativos". Nesse sentido, o autor impõe uma só condição para reconciliarmos nossos alunos com a leitura: "não pedir nada em troca. Absolutamente nada. Não erguer uma muralha fortificada de conhecimentos preliminares em torno do livro. Não fazer a menor pergunta. Não passar o menor dever. Não acrescentar uma só palavra aquelas das páginas lidas. Nada de julgamento de valor, nada de explicação de vocabulário, nada de análise de texto, nenhuma indicação biográfica... Proibir-se completamente 'rodear o assunto'". Pennac propõe a leitura-presente – o dar a ler –, uma forma de tratar a curiosidade como a curiosidade deve ser tratada, despertando-a de sua lassidão, combatendo-lhe o sono dos eletrônicos, valorizando o único contexto que nesse momento de encantamento deve ser trabalhado: o de cada leitor, daquela sala de aula cheia de nãos.

Escrito com uma tinta extremamente sensível e irremediavelmente irônica, "Como um romance" é um brilhante ensaio capaz de provocar alunos, professores e pedagogos. Uma leitura tão revigorante que urge periódica revisitação: a bem dizer, um remédio ao desencanto da sala de aula, de uso obrigatório para todos os professores que continuam a sonhar em fazer a diferença. 

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